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PUBLICAÇÃO JORNAL A TRIBUNA – MP 936∕2020: uma afronta aos trabalhadores e aos sindicatos em meio à pandemia da Covid-19

1 de maio de 2020

A Medida Provisória nº. 936, publicada em de 1º de abril de 2020, trouxe mais um conjunto de medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública e da emergência de saúde pública decorrente do Coronavírus (covid-19), somando-se às medidas trabalhistas previstas na Medida Provisória nº 927, publicada em 22/03/2020. A mesma instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (já apelidado de PEMER por parte da doutrina) e disciplinou as regras para a redução proporcional de jornada de trabalho e de salários e a suspensão temporária do contrato de trabalho, sem a participação das Entidades de Classe, os Sindicatos, afrontando direitos e garantias individuais dos trabalhadores, o que afronta diretamente a constituição federal de 1988.

No âmbito deste caos vivenciado pelo mundo, uma pandemia que atingiu todos, o papel dos Sindicatos que atuam diretamente na proteção por interesses econômicos, políticos e até mesmo sociais de seus associados, vem sofrendo um verdadeiro ataque as suas funções e finalidades de entidade protetora e guardiã dos trabalhadores. Em meio ao pacote governamental de combater o isolamento social, divulgar medicamentos não testados, desqualificar a ciência, afrontar governadores, prefeitos e os outros poderes da República, está a edição de Medidas Provisórias 936 com escancarados ataques diretos à Constituição Brasileira, em especial a suas cláusulas Pétreas, que priva os trabalhadores das suas representações coletivas na imposição unilateral de corte de salários e direitos.

A Constituição é cristalina ao proibir isso no seu Art. 7º: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: […] VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; […] XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; […] XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; [….] Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: […] III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas; […] VI – é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho”.

Relativizar ou permitir quebra dos preceitos constitucionais maiores da nossa Pátria é o primeiro passo para a instauração de um regime ditatorial como a história da Humanidade nos ensina. Estamos diante de um cenário, onde se define quem respira, quem vive, quem morre, quem trabalha e quem sobrevive em meio do caos da saúde e economia.

Como Entidade de Classe, os sindicatos foram os primeiros a serem subjugados, a fecharem suas portas, a não participarem nos acordos coletivos, reuniões, assembleias e fechamento de suas portas de acordo com os decretos instituídos.

Este isolamento tem como medida diminuir a velocidade de contaminação, o gera um caos no cenário econômico, muitos empresários, se veem na necessidade de dispensar o trabalhador, e justamente neste momento é que aparece o oportunismo do governo, que edita um ataque a Constituição Federal, como também ao povo, que passa a não ter o seu representante Sindical participando destas negociações, que em sua ação, tem como maior objetivo preservar a dignidade humana, salvar vidas, preservar empregos e manter a saúde financeira das empresas, pois os sindicatos também tem esse papel de defender e preservar intacta a Constituição Brasileira, pois nela estão os direitos e deveres da sociedade brasileira e das instituições que a integram. Portanto, excluir os sindicatos da defesa coletiva dos trabalhadores é mais do que um risco para a preservação do Estado Democrático de Direito, pois, sem sindicatos não há democracia e sem a democracia não existirão judiciário, legislativo e a proteção dos mais fracos.

O momento é complexo e a melhor atitude a se tomar numa situação dessas é utilizar o bom senso e a razoabilidade, levando-se em conta que nem o trabalhador e nem a empresa deram causa ao transtorno que estamos vivendo. O intérprete das normas legais nesse momento não poderá desconsiderar o contexto de crise mundial que vivenciamos na saúde pública e que reflete na relação empregado/empregador.

A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT nos deixa algumas possibilidades legais para conduzir o assunto. Verifica-se que muitos empregadores estão apreensivos com a possibilidade real de seus empregados ficarem em casa por contaminação do propalado vírus. Creio que qualquer decisão do empregador no sentido de afastar o trabalhador devido às atuais circunstâncias implica, ad cautelam, em convocar o Sindicato da categoria para discutir sobre as possibilidades, evitando-se assim informações desencontradas entre o empregador e a entidade sindical representativa da categoria.

Por fim, é preciso estudar o papel que o Brasil desempenhou nas últimas décadas como líder de uma visão crítica da governança global da saúde, praticando uma política externa neste campo, qualificada pelos princípios e pela experiência do SUS, além de refletir sobre qual o papel da ciência neste momento ante a um vírus que é capaz de se adaptar, evoluir e destruir vidas. Por outro lado, temos a atuação necessária dos Sindicatos, em meio a uma situação já vivenciada no passado a exemplo da “Gripe Espanhola”, do desemprego, da quebra da Bolsa de NY, enfim, serve de parâmetro para o Sindicalismo não se calar, lutar em defesa da vida, dos empregados e da renda digna. Por isso, a Medida Provisória 936∕2020 deve ser considerada uma afronta a Constituição Federal que é humana, digna e cidadã.

Em um cenário de desprestígio à educação, à ciência e ao Sindicalismo, de fato, a MP não só autoriza o “acordo” individual como pune a negociação coletiva, estabelecendo um valor reduzido do benefício para as situações de suspensão e redução das jornadas fixadas por acordo ou convenção coletiva de trabalho (art. 11).

A MP 936, aliás, promove uma total inversão de valores, segundo a qual, o acordo individual poderia estipular redução de salário e suspensão de contratos, dentro de padrões pré-estabelecidos, enquanto a negociação coletiva seria o instrumento para reduzir ainda mais esses direitos e não para garanti-los e efetivá-los.

Isto se torna uma afronta às Entidades de classe e principalmente ao trabalhador, que no momento de crise na saúde, ainda enfrenta ameaça, coação, pressão, agressão, perseguição, demissão e fim da estabilidade, enfim, vivenciamos um momento de incertezas e de oportunismo.

(*) Geane Lina Telles é servidora pública municipal e presidente do Sispmur – Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Rondonópolis-MT.